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  • Do controle ao autoabandono

    Do controle ao autoabandono

    A jornada espiritual é um longo caminho onde aprendemos a confiar menos em nós e mais em Deus. É um processo lento e sem nenhuma garantia de sucesso. Sabemos que os caminhos de Deus são diferentes dos nossos e seus planos estão muito acima dos nossos. Confiar no que não conhecemos nem controlamos nunca foi fácil para ninguém. No fundo, queremos que Deus nos ajude em nossos caminhos e que abençoe os nossos planos, de forma que a vida que queremos viver seja agradável, segura e feliz, sem perdermos o controle sobre ela. 

    Carregamos um medo não confessável de nos entregar a Deus. Por causa desse medo, vivemos exilados em um mundo pequeno, de horizontes limitados, incapazes de nos identificar com o mundo de Deus e nos entregar a ele, embora seja esse nosso anseio mais fundamental. Porém, como vamos confiar nosso futuro a Deus e nos entregar ao seu cuidado se a nossa visão dele é tão limitada e superficial?

    Davi, no Salmo 37, nos faz um convite ousado: “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará”. O desejo de viver de forma confiante e segura em Deus é intrínseco à fé, mas sabemos, pela experiência pessoal, que com uma mão buscamos tocar nas mãos de Deus expressando nosso desejo de sermos guiados por ele, e com a outra nos agarramos aos nossos recursos e resistimos à entrega total.

    A confiança em Deus, de certa forma, desenvolve-se num mundo de incertezas, mas a tecnologia nos envolve num mundo de certezas -- ou falsas certezas. Hoje, em vez de recorrer à oração diante de uma enfermidade, recorremos aos planos de saúde e aos centros que oferecem as melhores tecnologias de diagnóstico e tratamento. A segurança tecnológica substitui a entrega do caminho a Deus e a confiança de que “o mais ele fará.” Nossos antepassados aprenderam a confiar em Deus em parte porque contavam com poucos recursos para os grandes problemas que tinham de enfrentar. 

    A visão que temos de Deus é superficial e limitada por causa do desejo de termos o controle. A visão bíblica de Deus é sempre uma ameaça à autoconfiança do homem. E é a própria autoconfiança que nos leva a um sentimento de que Deus é sempre frio, impessoal e distante e isso nos leva à frustração na experiência espiritual e à falta de intimidade com o Deus vivo. Ela nos condena a uma vida de superficialidade na relação com ele e leva ao desenvolvimento de mecanismos de controle, aumentando a distância e a impessoalidade. Avançamos confiando menos em Deus e mais em nós.

    A confiança envolve a consciência de nossa absoluta necessidade de Deus. Se não dependemos dele, somos propensos a cultivar um tipo de ateísmo prático, porque acreditamos que conseguimos aquilo de que necessitamos sem qualquer dependência consciente de Deus. Diante da forte ênfase contemporânea na autossuficiência, tendemos a depender mais do uso das técnicas do que do Espírito de Deus. Queremos viver em Deus, sem depender de Deus, agir em nome de Deus, sem qualquer consciência da necessidade real que temos dele. Não somos capazes de negá-lo, mas também não cultivamos uma consciência da necessidade dele.

    Expressões comuns que descrevem a confiança em Deus tornam-se cada vez mais estranhas a nós: “temor do Senhor” ou “esperar no Senhor”. Dificilmente um cristão moderno conseguiria esperar 25 anos para ver realizada uma promessa de Deus como aconteceu com Abraão. Provavelmente não escolheríamos Davi, o mais jovem da casa de sua família, para ser o futuro rei de Israel. Certamente não entenderíamos o motivo de permanecer setenta anos num cativeiro e aceitá-lo como um processo necessário de transformação. 

    A confiança em Deus nos ajuda a colocar todas as coisas em perspectiva. Aprendemos que vivemos sob o pacto de uma aliança com a graça redentora de Deus, e não com a mentalidade neurótica e manipuladora da nossa cultura impaciente.

     

    Ricardo Barbosa de Sousa é Pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida, O Caminho do Coração, A Espiritualidade, o Evangelho e a Igreja e Pensamentos Transformados, Emoções Redimidas. É também articulista da Revista Ultimato.

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    FonteUltimato Online

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    Data : 2018-08-01
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